O pai moderno muitas vezes, perplexo e angustiado,
passa a vida inteira correndo como um louco em busca do futuro, esquecendo-se
do agora. Com prazer e orgulho, a cada ano, preenche a sua Declaração de Bens
para o Imposto de Renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito
trabalho: lotes, casas, apartamentos, sítios, casas na praia, automóvel do ano.
Tudo isso custou dias, semanas, meses de luta. Mas,
ele está sedimentando o futuro da família. Se partir de repente, já cumpriu sua
missão e não vai deixá-la desamparada!
Para ir escrevendo cada vez mais linhas na sua relação
de bens, ele não se contenta com um emprego só. É preciso ter dois ou três,
negociar as férias, levar serviço pra casa... É um tal de viajar, almoçar fora,
fazer reuniões, preencher agenda... Afinal, é um executivo dinâmico e não pode
fraquejar!
Esse homem se esquece de que a verdadeira Declaração
de Bens, o valor que efetivamente conta, está em outra página do formulário de
Imposto de Renda, naquelas modestas linhas quase escondidas em que se lê Relação de
Dependentes. São filhos, a quem deve dedicar o melhor de seu tempo.
Os filhos, novos demais, não estão interessados em
propriedades e no aumento da renda. Eles só querem um pai para conviver,
dialogar, brincar...
Os anos passam, os meninos crescem e o pai nem
percebe, porque se entregou de tal forma na construção do futuro, que não
participou de suas pequenas alegrias: não os levou ao colégio e nunca foi a uma
festa infantil. Um executivo não deve desviar a sua atenção para essas bobagens!...
Há órfãos de pais vivos, porque o pai vai para um lado
e a mãe para outro. É a família desintegrada, sem amor e sem diálogo. Sem a
convivência, que solidifica a fraternidade entre irmãos, que abre caminho no
coração, que elimina problemas e resolve as coisas na base do entendimento.
Há irmãos crescendo como verdadeiros estranhos que só
se encontram de passagem em
casa. E para ver os pais é quase preciso marcar horas.
Depois de uma dramática experiência pessoal e familiar
vivida, a mensagem que tenho para dar é: não há tempo melhor aplicado do
que aquele destinado aos filhos.
Dos dezoito anos de casado, passei quinze absorvidos
por muitas tarefas, envolvidos em várias ocupações; e totalmente entregue a um
objetivo único e prioritário: construir o futuro para três filhos e minha
esposa.
Isso me custou longos afastamentos de casa, viagens,
estágios, cursos, plantões no jornal, madrugadas no estúdio de televisão...
Agora estou aqui com o resultado de tanto esforço. Construí o futuro
penosamente e não sei o que fazer com ele depois da perda de Luís Otávio e
Priscila.
De que vale tudo o que ajuntei se esses filhos não
estão mais aqui para aproveitar isso conosco!
Se o resultado de trinta anos de trabalho fosse
consumido agora por um incêndio e desses bens todos, não restasse nada mais do
que cinzas, isso não teria a menor importância, porque minha escala de valores
mudou e o dinheiro passou a ter peso mínimo e relativo em tudo. Se o dinheiro não
foi capaz de comprar a cura de meu filho, que se drogou e morreu; não foi capaz
de evitar a fuga de minha filhinha que saiu de casa e prostituiu-se e dela não
tenho mais notícias, para que serve? Pra que ser escravo dele!
Eu trocaria, explodindo de felicidade, todas as linhas
da Declaração de Bens por duas únicas que tive de retirar da relação de
dependentes: os nomes de Luís Otávio e de Priscila. E como doeu retirar
essas linhas da Declaração de 1986, ano base de 1985! Luís Otávio morreu
aos quatorze anos e Priscila fugiu um mês antes de completar quinze.