“A vida dolorosa é um alambique onde se destilam os seres para mundos melhores” (Leon Denis).
Levi nasceu com o dom da cura, mas ocultava o seu tesouro.
Um ancião, após desvelar o segredo, indaga Levi sobre seu saber:
− Por que oculta seu tesouro, Levi?
− Este tesouro só me traz tristezas, ancião. Pois, muitos me vêem como um lunático, um psicopata. Outros me chamam de louco, de doido. Fazem pilhéria de uma coisa sagrada e, por isso, prefiro que continue oculto.
− Você está errado. Com o que sabe poderia salvar muitas vidas ou aliviar a dor de muitos enfermos.
− Já fiz isso uma vez e o que ganhei foi incompreensão e ingratidão.
− Talvez não seja pelo que fez, mas porque fez o que os outros não poderiam fazer. Há muita diferença nisso, Levi.
− Talvez tenha razão, mas para mim é a mesma coisa.
− Não lhe agrada ver o sorriso de quem tem suas dores aliviadas? Também não lhe agrada o sorriso de uma mãe ao ver seu filho doente voltar a sorrir? Ou talvez o sorriso de um homem agradecido por poder voltar a trabalhar, após longa enfermidade? Tudo isso é bálsamo para uma alma enferma. Cure a sua, Levi! Alguém espera isso de você.
− Vou pensar no que você disse, ancião.
− Não pense, observe a terra. Ela é ferida quando lhe abrimos sulcos profundos. Mas só assim a semente germina e a planta tem solidez para que não caia quando der muitos frutos. A semente que não é colocada num sulco profundo jamais germina forte. Além do mais, qualquer um pode derrubá-la.
− Sei disso tudo, ancião. Mas não ouso colocá-las em prática.
− Eu lhe digo que deveria ousar. Aí verá que a nossa dor não é nada comparada com a dor de muitos. Saberá então que é preferível um sofrer para que muitos sorriam. Use o seu dom, Levi.
− Eu não me nego a usá-lo. Só não procuro mostrar que o possuo.
− Seu dom faz as pessoas mais humanas. É consolo... É bálsamo... E a dor oriunda desse dom apenas lhe enobrece!
Cabeça baixa, Levi saiu e seguiu pensando no seu dom.
O texto acima é adaptação que faço de algumas páginas de “O Livro da Vida”, de Rubens Saraceni. Achei um tema interessante, diante da violência que assola o mundo, assusta e choca o povo do nosso país.
Por causa da dor e do sofrimento, Bernard Shaw chegou a afirmar, que o planeta em que vivemos é, provavelmente, o Hospício do sistema solar.
Pensando assim, o nosso corpo se compara a uma prisão espiritual. E a sociedade seria, ao mesmo tempo, hospital e escola para nossa reabilitação.
E não é nenhum exagero pensar assim! Vejam as tragédias do cotidiano!
Uma delas, vista pela tevê, foi a da pequena Júlia, que muito me impressionou. A criança foi salva das ferragens de um Chevette, esmagado por um caminhão, na rodovia Fernão Dias, no município de Betim.
O PM que a salvou, emocionado, comemorou o fato com os dois braços pra cima e um grito de alegria. E depois chorou. Pois, a dor e o prazer são inseparáveis e necessárias à educação do ser na sua caminhada evolutiva.
Léon Dinis nos ensina que suprimindo a dor, ao mesmo tempo suprimimos o que é mais digno de admiração neste mundo, isto é, a coragem de suportá-la. Pois, são necessários os infortúnios e as angústias para dar à alma seu aveludado, sua beleza moral.
Nesta oficina planetária, mais do que glórias, a nossa dor será sempre necessária para despertar nossos sentidos adormecidos e dar à alma o traço derradeiro da sua sublime e verdadeira formosura.