“Durante toda a vida é preciso aprender a viver” (Sêneca).
Escola de Santa Cruz dos Lopes. Na abertura das
reuniões, o Diretor, José de Oliveira Sobrinho (de saudosa memória!), sempre me
pedia para contar algum fato engraçado para descontrair os presentes.
O pedido tinha por finalidade uma reunião simpática,
de bons pensamentos, onde todos pudessem respirar à vontade com sentimentos de
satisfação.
Essa era a estratégia dele! Pois sabia que a alegria
contagiava todos e formava uma egrégora energética positiva de bons pensamentos,
facilitando o desempenho dos organizadores da reunião.
E foi mais ou menos assim, que numa das reuniões no
início do ano letivo de 1980, eu contei este “causo”:
Há poucos dias – disse – fomos visitar as casas da
comunidade para levantar dados ao diagnóstico do Plano Escolar. Após algumas
visitas, chegamos numa casinha de sapê, um pouco retirada do bairro e fomos
recebidos por uma simpática velhinha, mal vestida, com feridas no rosto, em
volta da boca e quase desdentada, que causava até má impressão e que nos
perguntou, sorrindo:
− Bom dia! O que vocês querem?
− Dona Maria, a senhora se lembra de mim? – indagou o
meu colega.
− Sim. O senhor é o Diretor da Escola do meu netinho,
não é mesmo? Vamos entrar. Não repara não, que o ranchinho é de pobre mesmo!
Mas não tinha como a gente não notar a pequena
cozinha de chão batido! O fogão de lenha
esfumaçado, o bule, a chaleira, a cafeteira... E um cheirinho gostoso de café.
Depois de nos dar as informações, ela se levantou
para nos servir o café. Olhei pra cara dela e fui logo descartando:
− Para mim não precisa, não. Eu não tomo café. Muito
obrigado!
− Mas, o Senhor toma não é mesmo professor – disse
ela, dirigindo-se ao Diretor da Escola. – Eu sei que o senhor gosta de um
cafezinho quente, da hora. A servente da escola já me contou!
Depois da lábia da velhinha, o meu colega, professor
Sobrinho, não teve como escapar. Olhou bem pra cara dela, sua boca meio
desdentada, as feridas nos lábios e com muito esforço para não demonstrar
repugnância, pegou a xícara com a mão esquerda e viu que ela tinha um quebradinho providencialíssimo.
Olhou bem... Pensou... Deu uma piscadela e decidiu.
Tomou todo o café pelo quebradinho da xícara, na certeza que assim fazendo
estaria bebendo por um lugar bem diferente do que era usado por Dona Maria. Mas,
para sua surpresa, a velhinha rindo comentou:
− Olha só que coisa, “Seu” Sobrinho! Não há de ver
que o Senhor é que nem eu! Pois eu também tomo café só pelo quebradinho da
xícara!!...
Acho que nem preciso contar que ele se engasgou,
perdeu a fala e espirrou café pelo ranchinho todo...
E não é que o “causo” fez “todo mundo”
sorrir! Quanta alegria!...
O Diretor da Escola, mais conhecido pelo seu
sobrenome, era boníssimo e gozava de muito respeito e consideração.
Na Coordenação Pedagógica da escola, aprendi com ele a
ter muita calma, paciência e tranquilidade para decidir as questões polêmicas. Aprendi
a ruminar as coisas... Ou seja, aprendi a pensar muito a respeito de algum
plano, projeto ou problema, para evitar qualquer decisão precipitada. Seu lema
era: nada decidir
sem antes contar até dez!
Todos os assuntos relevantes eram amplamente debatidos,
considerando o contraditório e usando de Empatia.
Comprometido com a verdade, entre ideias divergentes,
ele não se descuidava da dialética, só
deliberando após, no mínimo, duas reuniões de debates. Tudo registrado em atas
para evitar as confusões e os mal-entendidos.
Ele sentia as reações das pessoas como importante feedback de
avaliação. Por isso, resguardava-se em tudo que fazia, para evitar possíveis
contratempos.
A sua dica era “não ir com muita sede ao pote”. Mas, ir devagar sem interromper a
caminhada. E buscar o aperfeiçoamento profissional, com o apoio das pessoas do
entorno escolar.
Revi conceitos e descobri o valor de uma gestão
democrática. Pois ninguém faz tudo sozinho! Aprendi, então, a olhar as coisas do
coletivo em primeiro lugar.
Ressegnifiquei tudo que eu pensava sobre educação. Mudei minha visão de mundo. Descobri que cada
dia é diferente do outro. E que imprevistos acontecem com frequência na vida de
todos... Tudo isso e mais as dificuldades da vida forjaram a minha
personalidade.
Vivendo aprendi a viver. Daí minha homenagem a essa
maravilhosa pessoa, que muito me ensinou!
Além de uma história divertida, uma bela homenagem, Aneor!
ResponderExcluirE para uma pessoa realmente merecedora.
👏👏👏
O Professor José de Oliveira Sobrinho foi um exemplo de dedicação à causa da educação.
ResponderExcluir