Aquecendo a Vida

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sábado, 15 de janeiro de 2022

O QUEBRADINHO DA XÍCARA

 

“Durante toda a vida é preciso aprender a viver” (Sêneca).


Escola de Santa Cruz dos Lopes. Na abertura das reuniões, o Diretor, José de Oliveira Sobrinho (de saudosa memória!), sempre me pedia para contar algum fato engraçado para descontrair os presentes.

O pedido tinha por finalidade uma reunião simpática, de bons pensamentos, onde todos pudessem respirar à vontade com sentimentos de satisfação.

Essa era a estratégia dele! Pois sabia que a alegria contagiava todos e formava uma egrégora energética positiva de bons pensamentos, facilitando o desempenho dos organizadores da reunião. 

E foi mais ou menos assim, que numa das reuniões no início do ano letivo de 1980, eu contei este “causo”:

Há poucos dias – disse – fomos visitar as casas da comunidade para levantar dados ao diagnóstico do Plano Escolar. Após algumas visitas, chegamos numa casinha de sapê, um pouco retirada do bairro e fomos recebidos por uma simpática velhinha, mal vestida, com feridas no rosto, em volta da boca e quase desdentada, que causava até má impressão e que nos perguntou, sorrindo:

− Bom dia! O que vocês querem?

− Dona Maria, a senhora se lembra de mim? – indagou o meu colega.

− Sim. O senhor é o Diretor da Escola do meu netinho, não é mesmo? Vamos entrar. Não repara não, que o ranchinho é de pobre mesmo!

Mas não tinha como a gente não notar a pequena cozinha de chão batido!  O fogão de lenha esfumaçado, o bule, a chaleira, a cafeteira... E um cheirinho gostoso de café.

Depois de nos dar as informações, ela se levantou para nos servir o café. Olhei pra cara dela e fui logo descartando:

− Para mim não precisa, não. Eu não tomo café. Muito obrigado!

− Mas, o Senhor toma não é mesmo professor – disse ela, dirigindo-se ao Diretor da Escola. – Eu sei que o senhor gosta de um cafezinho quente, da hora. A servente da escola já me contou!

Depois da lábia da velhinha, o meu colega, professor Sobrinho, não teve como escapar. Olhou bem pra cara dela, sua boca meio desdentada, as feridas nos lábios e com muito esforço para não demonstrar repugnância, pegou a xícara com a mão esquerda e viu que ela tinha um quebradinho providencialíssimo.

Olhou bem... Pensou... Deu uma piscadela e decidiu. Tomou todo o café pelo quebradinho da xícara, na certeza que assim fazendo estaria bebendo por um lugar bem diferente do que era usado por Dona Maria. Mas, para sua surpresa, a velhinha rindo comentou:

− Olha só que coisa, “Seu” Sobrinho! Não há de ver que o Senhor é que nem eu! Pois eu também tomo café só pelo quebradinho da xícara!!...

Acho que nem preciso contar que ele se engasgou, perdeu a fala e espirrou café pelo ranchinho todo...

E não é que o “causo” fez “todo mundo” sorrir! Quanta alegria!...

O Diretor da Escola, mais conhecido pelo seu sobrenome, era boníssimo e gozava de muito respeito e consideração.

Na Coordenação Pedagógica da escola, aprendi com ele a ter muita calma, paciência e tranquilidade para decidir as questões polêmicas. Aprendi a ruminar as coisas... Ou seja, aprendi a pensar muito a respeito de algum plano, projeto ou problema, para evitar qualquer decisão precipitada. Seu lema era: nada decidir sem antes contar até dez!

Todos os assuntos relevantes eram amplamente debatidos, considerando o contraditório e usando de Empatia.

Comprometido com a verdade, entre ideias divergentes, ele não se descuidava da dialética, só deliberando após, no mínimo, duas reuniões de debates. Tudo registrado em atas para evitar as confusões e os mal-entendidos.

Ele sentia as reações das pessoas como importante feedback de avaliação. Por isso, resguardava-se em tudo que fazia, para evitar possíveis contratempos.

A sua dica era “não ir com muita sede ao pote”. Mas, ir devagar sem interromper a caminhada. E buscar o aperfeiçoamento profissional, com o apoio das pessoas do entorno escolar.

Revi conceitos e descobri o valor de uma gestão democrática. Pois ninguém faz tudo sozinho! Aprendi, então, a olhar as coisas do coletivo em primeiro lugar.

Ressegnifiquei tudo que eu pensava sobre educação.  Mudei minha visão de mundo. Descobri que cada dia é diferente do outro. E que imprevistos acontecem com frequência na vida de todos... Tudo isso e mais as dificuldades da vida forjaram a minha personalidade.

Vivendo aprendi a viver. Daí minha homenagem a essa maravilhosa pessoa, que muito me ensinou!

2 comentários:

  1. Além de uma história divertida, uma bela homenagem, Aneor!
    E para uma pessoa realmente merecedora.
    👏👏👏

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  2. O Professor José de Oliveira Sobrinho foi um exemplo de dedicação à causa da educação.

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