“Comece a ser agora o que você será daqui em diante” (São Jerônimo).
Minha esposa Clarice
gostava de contar esta velha história, adaptada, das Obras escolhidas II, de
Walter Benjamin – Editora Brasiliense (1995).
Era uma vez um Rei que tinha todos os poderes e
tesouros da Terra, mas que apesar disso não se sentia feliz e a cada ano ficava
mais melancólico.
Um dia chamou o seu cozinheiro preferido e disse:
− Você tem cozinhado muito bem para mim e tem trazido
para a minha mesa as melhores iguarias, de modo que eu lhe sou agradecido.
Agora, porém, quero que você me dê uma última prova de sua arte. Você deve me
preparar uma omelete de amoras
iguais àquelas que eu comi há cinquenta anos, na infância.
Naquele tempo – continuou o Rei –, meu pai tinha
perdido a guerra contra o reino vizinho e nós precisamos fugir: viajamos dia e
noite através da floresta, onde afinal acabamos nos perdendo. Estávamos
famintos e cansadíssimos, quando chegamos a uma cabana onde morava uma velhinha
que nos acolheu generosamente. Ela preparou para nós uma omelete de amoras. Quando a comi, fiquei maravilhado: a omelete era
deliciosa e me trouxe novas esperanças ao coração. Na época eu era criança, não
dei importância à coisa. Mais tarde, já no trono, vasculhei todo o reino, porém
não foi possível localizá-la. Agora quero que você me atenda esse desejo: faça
uma omelete de amoras igual à dela. Se você conseguir, eu lhe darei ouro e o
designarei meu herdeiro, meu sucessor no trono. Se você não conseguir,
entretanto, mandarei matá-lo.
− Senhor! – falou o cozinheiro –, pode chamar
imediatamente o carrasco. É claro que eu conheço todo o segredo da preparação
de uma omelete de amoras, sei empregar todos os temperos. Conheço as palavras
mágicas que devem ser pronunciadas enquanto os ovos são batidos e a melhor
técnica para batê-los. Mas isso não me impedirá de ser executado, porque a
minha omelete jamais será igual à da velhinha. Ela não terá o sabor picante do
perigo, a emoção da fuga, não será comida com o sentido alerta do perseguido,
não terá a doçura inesperada da hospitalidade calorosa e do ansiado repouso,
enfim conseguido. Não terá o sabor do presente estranho e do futuro incerto.
Após estas explicações, o Rei ficou calado, durante
algum tempo. Não muito tempo depois, consta que lhe deu muitos presentes,
tornou-o um homem rico e despediu-o do serviço real.
Se perguntar a uma pessoa
abnegada sobre os anos de sua existência, provavelmente dirá: “foi difícil,
mas se tivesse que repetir, faria tudo de novo!”. Ou, então, dirá: “apesar
das dificuldades, foram os melhores anos de minha vida! Que saudade!”.
Quando vividos com
esperança, com amor, com entusiasmo, com dedicação, os anos de lutas e
sofrimento, mais difíceis de nossa vida, são os que têm um sabor diferente;
pois têm o gosto da vitória. São os anos que ficam em nossa lembrança!
E quando pensamos nessa
trajetória de lutas pela vida, descobrimos o quanto Deus foi bom conosco; o
quanto mudamos e evoluímos intelectualmente, moralmente, emocionalmente... Na
verdade amadurecemos tanto, que somos outra pessoa!
Deus permite a longevidade
– eu penso – para a gente fazer um balanço do passado e descobrir as luzes
conquistadas na caminhada, e que irá iluminar a nova jornada que pressentimos.
E que desejamos seja eterna enquanto dure!
Quem, pelo trabalho e pela
abnegação sincera, suporta as lutas do cotidiano na renúncia de si mesmo,
descobre que a vida é um bem precioso que Deus nos confiou. Que o sofrimento apenas lapida nossa alma,
nos elevando no conceito da espiritualidade maior. Pois sentimos que nossa fé
aumenta; que já vibramos no amor maior e podemos voar rumo a outras moradas,
onde há fraternidade e a felicidade impera.
Recordemos a inspiração de
Paulo, que a morte é o nosso último inimigo. E com Jesus, venceremos mais essa
etapa. Pois somos espíritos imortais. A alma não tem apenas uma existência, mas
vidas numerosas. Além do sepulcro há vida em profusão em outra dimensão.
Eis o que Emmanuel nos
recomenda no romance “50 Anos Depois”, “Guardemos na mente a convicção de
que o reino de Jesus não está nos templos ou nos manuscritos materiais que o
Tempo se incumbirá de aniquilar em sua passagem incessante e, sim, que os alicerces divinos têm de ser construídos
no íntimo do homem”.
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