Guilhermina chegou e logo passou a descarregar sobre o
sacerdote toda a sua fúria. Mal ouvira a saudação carinhosa de boas-vindas que
lhe foi dirigida. Estava indignada e falava sem parar.
O religioso ouviu–a em silêncio e respeitosamente,
certo de que a agressão costuma ser o lado explícito do temor, da angústia e da
dor. Ele sabia, que ante a torrente de palavras não se poderia dialogar, pois
ela não estava preparada para ouvir o que ele tinha a dizer-lhe.
A cólera dela não encontrava ali o incentivo da
resistência, da reação que necessitava para nutrir seu coração sufocado por
tanta aflição.
Descarregada a fúria inicial, em voz calma e pausada o
sacerdote começou a colocar algumas observações, sem um discurso apelativo.
Guilhermina carregava uma pesada carga de equívocos.
Sua mágoa maior era com os homens, seres egoístas, dominadores, irresponsáveis,
que se punham como donos do mundo e das pessoas, especialmente das mulheres.
Vinha sofrendo com eles a vida toda. Eles a
engravidavam e sumiam, deixando-a sozinha com os problemas decorrentes. E ela
não tinha condições de cuidar daquelas crianças. Sua vida e sua “profissão” não
permitiam. Por isso, eliminava-as ao nascerem. E por fazer aquilo sempre com
uma ponta de angústia e remorso, confessou o seguinte fato:
– Certa vez, por uma dessas coincidências, eu e minha
cachorrinha de estimação tivemos filhos no mesmo dia. E quando voltei da
bárbara operação de dar sumiço no meu bebê, encontrei a cachorrinha em festa,
orgulhosa de seus quatro filhotes. Ela fazia questão de me mostrar seus
filhotes. Foi algo sobrenatural, “lá de cima”, pois ela parecia dizer: “Não são
lindos?”.
– E como você se sentiu diante dessa cena? – perguntou
o sacerdote.
– Totalmente arrasada – respondeu ela pensativa. – Foi
uma cena que bateu fundo no meu coração. Pois, ao contrário de mim, em vez de
livrar-se dos filhos a alegre cadelinha cuidava deles com toda a pureza de seu
carinho materno, feliz com o presente que a vida lhe dava!
Ela nunca mais esqueceria daquilo. Nunca! E como a se
desculpar pelos erros cometidos, disse:
– Sabe padre, o animalzinho tinha a dona, que a
garantia na tarefa de cuidar de seus filhotes, mas eu não contava com a ajuda
de ninguém!
Então, o sábio sacerdote, sem nenhuma acusação ou
censura, comentou:
– Guilhermina, você tinha a Deus.
Ela voltou pra casa mergulhada em seus pensamentos,
remoendo seus pecados e mal percebeu o momento que a porta do aposento em que
se encontrava se abria discretamente.
A emoção bateu-lhe forte no peito e inundou seus olhos
de lágrimas: “quem” acabara de entrar, feliz da vida, como sempre, abanando
alegremente o rabinho, foi a sua companheira. Abraçou o animalzinho com todo o
seu amor. E ali ficaram as duas, a curtir aquele momento de ternura. Afinal de
contas, aquele bichinho sabia por onde passam os caminhos que levam a Deus (*).
Histórias dramáticas e tristes assim acontecem
diariamente no Brasil, onde são realizados anualmente mais de 750 mil abortos
em condições inseguras. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos), porém, cobra como
compromisso do Governo Federal “não fazer nada que contradiga os valores
cristãos”.
Segundo os espiritualistas, existem 35 bilhões de criaturas
no Planeta Terra, sendo 28 bilhões na espiritualidade e 07 bilhões encarnadas.
Ou seja, para cada habitante encarnado existem quatro na espiritualidade
esperando uma oportunidade para nascer. Donde se deduz que aquela história de
“eu não pedi pra nascer” é desculpa esfarrapada de irresponsabilidade com a
vida; pois na realidade não só “pediu pra nascer”, mas até “implorou” essa
oportunidade.
A Terra é uma escola. Para evoluir a criatura tem que
estar encarnada; daí a luta do espírito por essa oportunidade muitas vezes não
ter escolha, e aceita nascer em qualquer corpo, seja deficiente, com
microcefalia...
Segundo Fernando Sabino, “Matar não é tão grave como impedir que alguém nasça,
tirar a sua única oportunidade de ser. O aborto é o mais horrendo e abjeto dos
crimes. Nada mais terrível do que não ter nascido!”
(*) História supracitada de Hermínio C. Miranda, encontrada no livro
“Visão Espírita para o Terceiro Milênio”.